Uma política
identitária, de forma geral, justifica o ato de se assumir uma
identidade com o propósito de estabelecer um posicionamento
político. No caso do "lesbianismo político", ser lésbica
reduz-se a uma identidade social que expressa aos outros uma
ideologia política, não necessariamente descrevendo o comportamento
sexual privado de uma mulher. Como em qualquer identidade, a
existência da "lésbica política" demanda um
reconhecimento externo. Se outras pessoas não sabem ou não leem
essa mulher como "lésbica política", isso não acarretará
em qualquer influência social à mesma. Logo, ser "lésbica
política" funciona essencialmente como performance social.
Primeiramente, como uma
mulher se faz saber "lésbica política" aos outros? Pela
própria designação, pelas práticas, pela aparência, ou algum
tipo de combinação de tudo isso? Se é apenas pela designação,
então realmente não passa de um rótulo, uma expressão
performática [I]. Acho que as próprias mulheres que se
autoidentificam como "lésbicas políticas" concordariam
que é necessário mais que isso. Se "lesbianismo político"
diz respeito às atividades sexuais unicamente, então a identidade
permaneceria completamente confidencial. Se ninguém fica sabendo de
que maneira essas mulheres fazem sexo, suas práticas possivelmente
não afetarão extensivamente sua atmosfera política; a proclamação
de si mesma enquanto "lésbica política" é necessária à
influência social e relevância política do título, então as
práticas sexuais podem ser necessárias, mas também seriam
insuficientes como definição do termo. No final das contas, a
aparência poderia ser o método mais eficaz de se atestar que a
definição de uma mulher sobre si mesma enquanto "lésbica
política" fosse transmitida ao público de maneira concisa.
Ainda assim, "lesbianismo político" não é uma tendência
fashion e não prescreve um conjunto particular de acessórios ou
cores para a visibilidade do grupo [II]. Eu li tantas definições do
que é uma "lésbica política" quanto pude encontrar; não
há um consenso sobre seu significado.
Em segundo lugar, a
eficácia do "lesbianismo político" enquanto atitude
política depende do mesmo tipo de base lógica que qualquer outra
política identitária: espera-se que suas fieis voluntárias
comportem-se de uma certa maneira que supostamente efetiva
algum tipo de mudança social positiva. Eu costumo brincar sobre
quais posições sexuais as "lésbicas políticas"
consideram melhores para lutar contra o patriarcado, mas não é uma
piada muito engraçada. Nós não podemos foder nosso rumo à
liberação. Eu aprendi isso vendo a teoria queer. Na prática, ser
uma lésbica - "política" ou não - não diminui, e na
verdade potencializa, as experiências de discriminação e
degradação social sofridas pelas mulheres. É indiscutivelmente
sádico encorajar mulheres a deliberadamente se exporem à opressão
com a finalidade de promover o avanço do status coletivo de outras
mulheres.
De uma forma mais
ampla, uma metodologia de performance social é uma fuga à
confrontação das forças que se encontram imediatamente por trás
da esfera pessoal de alguém. Ativismo político não é movimento de
autoajuda; é a desconstrução material e intelectual de uma
dinâmica de poder embasada numa luta de classes que dá origem à
opressão. Como já disse em outra oportunidade, pessoas oprimidas
não criam sua própria opressão através de "escolhas
identitárias ruins", tampouco as "escolhas sexuais ruins"
das mulheres são a causa da opressão sexual que sofremos enquanto
tal [III]. No entanto as teorias do "lesbianismo político"
focam ostensivamente nas escolhas pessoais de mulheres privilegiadas
o bastante para exercer controle sobre sua própria expressão
sexual. Infelizmente, a maioria de mulheres no mundo não têm essa
liberdade.
A sexualidade de uma
mulher nunca deve estar a serviço de seu posicionamento político.
Se você é lésbica, ótimo. Se você não é lésbica, quem se
importa? Eu não. Eu não me importo com quem você transa, ou como
você chama a si mesma; isso é problema seu. A sexualidade
falocêntrica, comercialmente construída pode e deve ser
criticada [IV]. Essa crítica, porém, não concede a qualquer
feminista uma licença para prescrever certos tipos de comportamento
sexual, identidade ou desejos, como mais "feministas" do
que outros.
O patriarcado manipula
a sexualidade feminina direcionada aos homens e à
heteronormatividade. O "lesbianismo político" faz uma
coisa parecida, ao contrário, da seguinte maneira: as teorias do
"lesbianismo político" afirmam que a sexualidade é
inteiramente construída socialmente. Esse paradigma torna mulheres
que não são lésbicas - na designação ou práticas, tanto faz -
como sendo macho-identificadas. De forma semelhante, a afirmação de
que "qualquer mulher pode ser lésbica" postula o
lesbianismo como uma forma de existência a qual as mulheres devam
aspirar, uma forma de subjetividade feminista. Dessa maneira o
"lesbianismo político" presume o lesbianismo como algo que
se almeja, e não uma coisa neutra ou meramente casual.
Uma hierarquia é
propriamente definida como "um sistema ou organização em
que pessoas ou grupos são classificadas umas sobre as outras de
acordo com um status ou autoridade" [V]. Portanto, é
inevitável que se crie uma hierarquia quando uma forma de expressão
sexual é vista como melhor, mais esclarecida, ou mais eficaz
politicamente do que outra. Através do estabelecimento dessa
hierarquia, querendo ou não é gerada uma pressão para que uma
mulher altere sua identidade sexual. A sugestão do aspecto positivo
da mudança é inerente à ideia de que o lesbianismo é
(politicamente) uma forma superior ou preposta de ser.
Exaltar o lesbianismo
pelo viés da política feminista projeta uma visão fantasiosa sobre
mulheres que são lésbicas independentemente de seu posicionamento
político, abstraindo a experiência de mulheres que amam mulheres à
ideia de que todas as lésbicas são feministas [VI]. Isso não é
justo com as lésbicas que suportam o peso das expectativas irreais
dessa teoria "política". É também uma avaliação
demonstravelmente falsa sobre o lesbianismo no mundo real. Há
inúmeros exemplos de lésbicas que priorizam homens ao invés de
mulheres, que são abusivas com outras mulheres, ou que não veem
mulheres como pessoas oprimidas. Eu realmente não sei se "lésbicas
políticas" apreciam certas realidades muitas vezes
desagradáveis da comunidade lésbica, tanto nos dias de hoje quanto
historicamente. Além disso, em alguns lugares do mundo, atualmente
já é possível às lésbicas viver quase que inteiramente
assimiladas às normas sociais. Enquanto lésbica, casada no estado
do Massachusetts, mal consigo lembrar quando foi a última vez que
alguém se incomodou com minhas demonstrações públicas de afeto.
Ninguém se importa que eu seja lésbica, isso claramente não é uma
ameaça à heterossexualidade deles nem qualquer outro motivo de
mágoa.
Investir uma identidade
"lésbica" como posicionamento numa guerra política contra
o patriarcado torna o desejo de algumas mulheres em tentativa de
retaliação de outras. O clássico texto "Woman Identified
Woman" afirma que "a lésbica é a raiva de todas as
mulheres condensada a ponto de explosão" [VII]. Essa
definição usa o termo "lésbica" como mensagem
direcionada aos homens, um insulto. É o absoluto oposto de como eu
me sinto sobre minha companheira lésbica. Adotar a identidade de
"lésbica política" como reação ao patriarcado não é
uma expressão de amor ou desejo, tampouco é sobre mulheres, afinal.
É fundamentalmente sobre homens; utiliza uma identidade para
"radicalmente" transgredir as normas sociais da
heterossexualidade. Nós não podemos usar uma identidade social para
efetivar a "liberação'" tanto quanto não podemos
transitar nas normas de gênero [genderfuck] para sobressair à
dinâmica de poder do patriarcado. Nós precisamos mudar o próprio
sistema, e não nossos comportamentos individuais ou nossas
identidades inerentes a esse sistema.
O "lesbianismo
político" tem um longo e característico histórico feminista.
Algumas teóricas continuam argumentando que esse assunto merece um
lugar na pauta "feminista radical". Mas esse apelo à
tradição não me convence. Identidade enquanto performance social
não é politicamente eficiente porque é uma abordagem
individualista a um problema sistêmico. O "lesbianismo
político" nos orienta a entender o lesbianismo a partir da
perspectiva de um observador externo: é essencialmente uma
identidade social através da qual nós devemos subverter o paradigma
heterossexual dominante. Mulheres que apoiam o "lesbianismo
político" enquanto uma ação política eficaz permitiram que
as políticas identitárias infectassem sua ideologia.
Eu me identifico como
uma lésbica anti-lesbianismo-político.
[I]
See “I Say It, Therefore It Is”:
http://rootveg.wordpress.com/2013/10/24/i-say-it-therefore-it-is-so/
[IV]
Compulsory Heterosexuality and the Lesbian Experience, por Adrienne
Rich: http://www.terry.uga.edu/~dawndba/4500compulsoryhet.htm
[V]
Google for “hierarchy”
[VI]
“Lesbian
and feminist are not synonyms, expanded”:
http://revolutionarycombustion.wordpress.com/2012/08/08/lesbian-and-feminist-are-not-synonyms-expanded/
[VII]
Woman Identified Woman:
http://library.duke.edu/rubenstein/scriptorium/wlm/womid/